Data de estreia: 23 de maio
Gênero: Biografia, Drama, Romance
Duração: 1h52
Classificação: 12 anos
País: Estados Unidos
Direção: Dome Karukoski
Roteiro: David Gleeson, Stephen Beresford
Edição: Chris Gill, Harri Ylönen
Cinematografia: Lasse Frank Johannessen
Música: Thomas Newman
Elenco: Nicholas Hoult, Lily Collins, Colm Meaney, Craig Roberts, Harry Gilby, Laura Donnelly, Guillermo Bedward, Pam Ferris, Patrick Gibson, Anthony Boyle, Tom Glynn-Carney
Biografia
Parte considerável da minha criação foi sob as influências do espiritismo. Quando criança, cheguei a fazer curso no Centro Espírita de Brasília, aos domingos. Uma espécie de catequização. E quando adulto também. Durante um longo período eu realizei o Culto em Casa, fiz cursos da Comunhão, li livros, rezei e cri nos ensinamentos com bastante convicção. Mas por vicissitudes ando me distanciando da doutrina. Mas embora hoje eu esteja longe de todo esse mundo, ainda assim fui assistir Kardec curioso pois, apesar de tudo, a figura do codificador foi parte determinante na minha vida.
Enquanto espectador “espírita”, o que assisti na grande tela foi uma tradução literal da imagem icônica dos livros para o cinema. O forte apreço pelo método científico, o ceticismo no início, a inteligência vasta, a dedicação à educação, a convicção e as consequências da codificação espírita. Tudo tal como eu li e ouvi, sem tirar nem por. Kardec dá som e movimento ao retrato icônico que pende nas paredes de tantos Centros e lares espíritas.
Mas isso não é tão satisfatório como se pode imaginar. A biografia roteirizada por L.G. Bayão e Wagner de Assis – que também dirige a obra –não oferece nada além do símbolo conhecido. Embora seja baseado no livro Kardec – A Biografia, de Marcel Souto Maior, a impressão é que a fonte é algo bem mais genérico, como a Wikipédia. A proposta, aparentemente, é apenas manter simbolismo da figura, e enaltecê-la enquanto ícone ao Inês de focar no “homem” em si. Então é bem fácil antecipar, por exemplo, que a obra não entraria nos aspectos do racismo ou do eurocentrismo de Allan Kardec, por exemplo.

Já enquanto cinema, a direção de Assis segue a cartilha da “biografia religiosa”, sendo um tanto maçante quanto ao tema e burocrática na narrativa. Por vezes até um pouco exagerada, como na introdução do personagem. Ainda que o design de produção faça bom trabalho em recriar Paris do século 19 (o filme inicia em 1892), com ambientes e figurinos eficientes no imaginário da pompa da época, a direção prejudica parte desses valores com um uso pouco criterioso de luz e sombras. A fumaça que preenche os lugares como salas de aula ou os aposentos de Kardec funcionam para sugerir um ambiente “místico”. E se você acha que essa palavra não é correta, a forma com que Allan Kardec desaparece na frente dos olhos dos alunos, para reaparecer atrás deles, sugere essa característica. E também funcionaria o uso da palavra “mágico”. Nessa introdução, o roteiro coloca todas as facetas de Kardec de uma vez, numa pressa desnecessária. Um educador rígido, mas apaixonado, irreverente, desafiador, engraçado e sentimental. Aliás, a cena onde ele joga os livros para cima parece um aceno ao John Keating do saudoso Robin Williams, em A Sociedade dos Poetas Mortos (de Peter Weir, 1989) pela irreverência apaixonante, mas o resultado final se assemelha mais à paródia do Professor Whitman do talentoso John Michael Higgins no episódio Introduction to Film da série de comédia Community – episódio, aliás, dirigido por Anthony Russo, o diretor de um filme pouco falado chamado Vingadores: Ultimato. A partir disso, sobra pouco para discorrer sobre a personalidade que é resumida a tal ponto que não há novidades durante todo o resto do filme, ainda que um fato ou outro (como o fenômeno das mesas girantes) dê breves, mas escassos momentos de curiosidade. Enquanto isso a narrativa se desenvolve de maneira formulaica, o que não é um demérito, mas que pouco faz para manter a atenção. E quando tenta, opta por escolhas equivocadas, como, por exemplo, a presença da dupla de homens de preto que seguem, vez ou outra, Kardec pela cidade. O mistério envolvendo eles não possui substância narrativa e quando finalmente descobri o que querem, a primeira pergunta que me veio à mente foi: “tá, mas precisava disso?”. A resposta é “não”, caso queira saber. Sem contar as repetições desnecessárias que surgem segundos após algo que acabou de ser mostrado, como a sequência posterior ao suicídio de um soldado. A reutilização de uma imagem que ainda estava fresca na minha cabeça só consegue me dizer que a ideia não é contar algo, mas reafirmar o que já se sabe. Aliás, como uma sequência sobre um suicídio pode ser tão insípida ao ponto de não causar qualquer forma ou grau de aflição? Foi a partir dela que notei que embora Leonardo Medeiros, que interpreta Allan Kardec, esteja bem pela semelhança, o ator pouco conseguia ir além de recriações automáticas de sentimentos rasos. Mas entendo que o roteiro também não o ajudou nisso já que jamais vemos um homem, mas apenas o símbolo em tela.
É curioso notar como alguns pequenos detalhes podem prejudicar os méritos de outras partes da estrutura narrativa. Não digo nem os efeitos digitais que, boa parte das vezes, cumprem a função – embora o plano aberto do Arco do Triunfo seja perceptivelmente falso. Como disse, a recriação de época é bem eficiente, mas a atmosfera sempre se enfraquecia para mim quando alguns atores e atrizes não conseguiam (tampouco pareciam se esforçar, e o diretor menos ainda) mascarar o sotaque carioca. Havia uma quebra instantânea da imersão ao notar todos aqueles ‘ésses’ nos diálogos pomposos (e expositivos). E o resultado foi um humor acidental – “eles devem ser da parte fluminense da França”, eu pensava e ria. Além disso, alguns momentos da montagem me chamavam a atenção não pela fluidez, mas pela falta dela ao justapor sequências onde o posicionamento individual dos personagens sofria pequenas alterações de um corte para o outro. No começo eu apenas percebia que havia algo errado. Depois reparei que na mudança de planos, aquela cabeça que estava inclinada para a direita, já está olhando para baixo, por exemplo.
Ainda assim, em alguns momentos, o Kardec parece estar em sintonia com os tempos atuais ao criticar diretamente a ideia de doutrinação religiosa obrigatória nas escolas e o preconceito deplorável da perspectiva única – nesse caso, da igreja católica – que não permite pensamentos fora da normatividade regente. Ainda que não seja o foco do filme, é gratificante vê-lo tomando essa postura, seja ela proposital ou não.
Kardec não me parece um filme feito para aqueles que gostam de cinema, mas apenas como reafirmação do que já se sabe. Um filme direcionado aos espíritas que provavelmente sairão muito satisfeitos em ver o retrato do codificador de outra maneira: agora ele se mexe e fala.
Data de estreia: 16 de maio
Gênero: Biografia
Duração: 1h50
Classificação: 12 anos
País: Brasil
Direção: Wagner de Assis
Roteiro: L. G. Bayão, Wagner de Assis
Cinematografia: Nonato Estrela
Música: Trevor Gureckis
Elenco: Leonardo Medeiros, Sandra Corveloni, Dalton Vigh, Julia Konrad, Genésio de Barros, Júlia Svacinna, Letícia Braga, Guida Vianna
“Amor tem limites”, diz a Sarah (Rachel Weisz), a Duquesa de Malborough, para sua grande amiga, a rainha Ana da Grã-Bretanha, que rebate “não deveria”.
Foi nessa resposta de Ana que A Favorita, novo filme de Yorgos Lanthimos, realmente capturou a minha atenção. Da forma ao conteúdo, o desfecho do prólogo indica o que viria nos muitos e invisíveis minutos que seguiram. Toda excentricidade das personagens – e do estilo do diretor ateniense – e toda opulenta pompa grandiloquente (hipérbole intencional) da corte britânica do século 18 numa combinação natural de história, ficção, drama, comédia e suspense atmosférico. O diálogo do primeiro parágrafo aponta as personalidades de ambas as personagens e sugere seus desejos mais latentes, seus objetivos. Além disso, o valor cômico inerente à intensa química entre as atrizes se sobressai sem esforço. Essa combinação (um tanto ousada, eu diria, mas não inesperada vinda de Lanthimos) me manteve atento aos muitos detalhes que, de forma fluida, podem passar desapercebidos ou explicitamente hiperbólicos. Vejo em A Favorita aquele tipo de obra para assistir repetidas vezes, sempre à espera recompensatória de “novos” detalhes.
De pronto, o ambiente abraça o espectador graças à fotografia de Robbie Ryan que captura todos os detalhes que compõem e definem a grandiosidade do Palácio. A beleza estética de A Favorita é de encher os olhos, principalmente pelo fato de ter sido filmada no num palácio real: a Casa Hatfield, na Inglaterra. Mas a fotografia também se destaca além dessa “mera” captura e se sobressai como um dos elementos primordiais da narrativa. Além dos ângulos sugestivos que refletem a autoconsciência que um personagem tem de si, ou como a corte as observa, dentre outras sugestões, a fotografia também se destaca (e essa palavra parece a mais correta) ao sair de sua perspectiva subjetiva e “grita” explicitamente com lentes que emulam efeitos parecidos com o resultado de uma olho-de-peixe. A presença da fotografia se faz sentir em momentos singulares. Ela deforma ambientes e personagens, sugerindo aspectos obscuros de suas personalidades ou, também, reflexos de atos questionáveis. Lanthimos parece brincar com o expectador, pesando propositalmente a mão, deixando clara a característica estapafúrdia que ajuda a compor a identidade de A Favorita, tal como na cena de dança, definida por um exagero anacrônico – que, aliás, além de divertida (lembro de gargalhar alto juntos com outras pessoas no cinema), é robusta quanto ao desenvolvimento das personagens. A cena não é exatamente sobre dançar, mas sobre não dançar.

Baseada no relacionamento histórico da Rainha Ana e da Duquesa de Malborough, A Favorita elabora uma jornada histórica excêntrica que parece refletir sobre limites, tão como sugere o diálogo acima. O relacionamento de ambas sofre um abalo com a chegada de Abigail (Emma Stone), que tentará ser a nova favorita da Rainha. O trio protagonista funciona muito bem individualmente (cada uma tem objetivos claros e ocultos, que serão revelados sem muito tardar ao longo da história), mas é a dinâmica entre elas que carregam o filme de qualidades positivas latentes. As minúcias nos trejeitos faciais, movimentação do corpo e diálogos elaboram uma comédia pungente, ácida por vezes. Mas consegue ir além. Guiadas por interesses divergentes (até que ponto eles são egoístas? Até que ponto o fim justifica os meios? A Favorita não se interessa por respostas, mas pelas consequências), as personagens apresentam uma sugestão cômica que, com simples detalhes como um olhar ou uma frase, apresenta também, nas entrelinhas, um teor de suspense. Afinal, a disputa por algo – seja isso poder, amor, ou banalidade – numa corte imperial já sugere alguma forma de inescrupulosidade. A partir dessa percepção, Lanthimos desenvolve um suspense que é como uma sombra da comédia.
Essa dinâmica rica só é parece ser capaz graças ao talento das atrizes. Nada de novo, considerando quem são. Weisz e Stone compõem personagens curiosas que conquistam a atenção com extrema facilidade. “Competente” parece uma palavra pequena demais, quase um eufemismo, para descrever a grande qualidade do trabalho delas. Mas é a Rainha Ana de Olivia Colman quem realmente chama a atenção. A atriz parece completamente confortável com a personagem. Cheia de problemas diversos, físicos e emocionais, os anseios de Ana são menos mundanos. A partir dessas fragilidades, Olivia Colman cria uma espécie de “caricatura realista”, complexa, humana, soberana.
A figura de Ana é o elemento central da história, que discorre nessa fluida exposição de diferentes gêneros, sempre interligados, para culminar numa conclusão simbólica que deixará o espectador refletindo o significado daquelas imagens por horas (ou dias, no meu caso). Outro momento onde Yorgos Lanthimos chama, propositalmente, a atenção para sua direção, sobrepondo significados e conclusões que se justificam é na conclusão. O simbolismo dos coelhos, dos semblantes e das posições são a resposta. Mas qual é a pergunta? Qual o objetivo de A Favorita? Qual o sentido dessa amálgama de história ficcional divertidamente sombria? Tenho meus palpites, muitos deles envolvendo limites. Mas creio que a melhor forma de entender qual é a pergunta, qual é o significado da obra é…
(pausa dramática)
Ver e rever A Favorita. Simples assim.
Estreia: 24 de janeiro de 2019
Título Original: The Favorite
Gênero: Drama, Biografia, Comédia, Época
Duração: 1h59
Classificação: 14 anos
País: Irlanda, Reino Unido, Estados Unidos
Direção: Yorgos Lanthimos
Roteiro: Deborah Davis, Tony McNamara
Edição: Yorgos Mavropsaridis
Cinematografia: Robbie Ryan
Elenco: Olivia Colman, Emma Stone, Rachel Weisz, James Smith, Mark Gatiss, Nicholas Hoult, Joe Alwyn
Infiltrado na Klan é, para dizer o mínimo, um estranho fenômeno.
O filme é baseado no livro Black Klansman: Race, Hate, and the Undercover Investigation of a Lifetime de Ron Stallworth que narra uma situação bem singular: nos anos 1970 o próprio Ron Stallworth – o primeiro policial e detetive negro do Departamento de Polícia de Colorado Springs – responde um anúncio no jornal e se infiltra no grupo supremacista Ku Klux Klan fingindo ser um homem branco (obviamente).
Antes de mais nada: Infiltrado na Klan é, em essência, uma comédia! O olhar irônico (somado ao estilo pungente, crítico e desafiador) de Spike Lee enxerga na situação a sua comicidade inata. Isso, porém, não significa que não há momentos dramáticos e tensão desconfortável oriundas do thriller policial, ou melhor, do blaxploitation, que também denota a obra. Mas é a comédia que se destaca, em diferentes graus e estilos, a depender da situação, conseguindo instigar desde um sorriso sutil nos lábios até uma boa gargalhada. E tudo isso brota do elo que une os personagens: o racismo.

Infiltrado na Klan faz rir, de desconforto, pela curiosidade da situação. E ainda choca com a realidade escancarada
A situação permite elaboração variada da comédia: há Ron Stallworth (John David Washington, em atuação competente) um policial ambicioso numa realidade abertamente racista – uma ironia bem explorada em diversos momentos, principalmente dentro da força policial. Há, também, Flip Zimmerman (Adam Driver), o policial judeu que se passa por Stallworth nos eventos presenciais da KKK. Embora seja ficcional (não foi revelado que era o policial que se passava por Stallworth, que no livro era identificado apenas como Chuck), Zimmerman é um dos personagens mais humanos da obra, dotado de uma empatia envolvente. Mérito do roteiro de Charlie Wachtel, David Rabinowitz, Kevin Willmott e Spike Lee. Zimmerman também protagoniza o humor oriundo do desconforto (ora ameaçador, ora bobo) da situação. E ainda há o “pastelão” com parte dos membros da KKK, como com o bufão Ivanhoe (Paul Walter Hauser) ou o casamento de Felix e Connie Kendrickson (Jasper Pääkkönen e Ashlie Atkinson, respectivamente), o casal apaixonado que troca juras de amor enquanto planejam atos terroristas e ataques raciais. O humor vem do desconforto, do absurdo.
É através de um humor ácido, pautado no preconceito e sua “lógica” incongruente, que Infiltrado no Klan reflete a realidade de ontem e de hoje, destacando como o discurso supremacista mantém-se firme e, de forma inacreditável, orgulhosamente descarado. A fragilidade desse discurso é exemplificada no curioso prólogo. O Dr. Kennebrew Beauregard (Alec Baldwin) explica por que os negros são inferiores e como os arianos merecem a terra (no caso, os EUA). Ao longo do falatório, erros de bastidores, imprecisões diversas e falácias determinam o quão errado estão as palavras. As imagens projetadas ao fundo tomam o plano do doutor e elaboram imagens carregadas de estilo e ódio. Essas projeções de cinema, porém, não dão apenas charme, mas também evidenciam outro tema que será abordado: o cinema como comunicação.
Um dos filmes mais importantes da história do cinema é O Nascimento de Uma Nação, de D.W. Griffith, de 1915. O filme é conhecido por mudar a linguagem cinematográfica ao compilar técnicas já existentes e também desenvolver diferentes formas de composição visual/narrativa. É, sem sombra de dúvidas, uma obra-prima incontestável. É, também, incontestavelmente racista e responsável por uma das cenas mais vis da história da sétima arte: o suicídio de uma dama sulista que estava preste a ser tocada por um negro. Spike Lee utiliza a obra de Griffith como determinante na estrutura racial dos Estados Unidos, destacando como é a imagem do negro pelos olhos do preconceito. Mas não é apenas essa obra que surge em meio ao posicionamento (embora ela seja a protagonista). Até mesmo filmes como Super Fly, de Gordon Parks Jr., de 1972, um marco do Blaxploitation (sub-gênero dissidente da Nova Hollywood que dá destaque à personagens e temática negras) são abordados como influenciadores na imagem negativa que permeia o consciente coletivo dos Estados Unidos. Infiltrado no Klan possui uma autoconsciência cinematográfica que permite a utilização da metalinguagem de forma orgânica. E ainda permite que o trabalho de câmera e montagem explorem possibilidades visuais de maneira natural. As divisões dinâmicas da tela (lado a lado e diagonais) em diferentes diálogos e situações, opondo perspectivas e personagens conflitantes, fortalecem a linguagem e a mensagem da obra. Ao utilizar o cinema para falar de cinema/realidade, Lee prepara um terreno segura para utilizar diferentes técnicas sem deixá-las como mera perfumaria.
Ademais, toda parte técnica recria muito bem a época. Granulação no filme, paleta de cores retro e uma (ótima) trilha sonora inspirada no blaxploitation elaboram uma realidade pulsante, própria para abrigar a efervescência dos embates étnicos que marcaram a época. Há, ainda, a característica técnica ride along, uma das identidades do cinema de Spike Lee, no arco final que elabora tensão estilosa ao destino de Ron, Laura Harrier (Patrice Dumas, um tanto monotônica, mas eficiente dentro da proposta) e, em geral, dos negros estadunidenses. A técnica, que movimenta a câmera e o objeto em foco (nesse caso, a dupla) pelo cenário, cria sensação de urgência inevitável, como se fossem tragados para a realidade opressora do mundo de fora.
O ride along, tal como os demais detalhes técnicos e narrativos, fortalece a conclusão dolorosa e revoltante. No cinema em que assisti, um silêncio reflexivo (assim me pareceu) tomou conta da sessão após o seu término. Em parte porque as imagens (e tudo que elas representam) chocam e machucam. Mas também por que após cerca de 2h15 minutos de comédia ácida, não estávamos preparados para lidar com a realidade sem o atenuante do humor.
Lee traça um paralelo entre o tempo da obra e os dias atuais de maneira agressiva (uma qualificação dura, mas verdadeira). Já havia um alerta disso na conclusão “alegre” do arco de Ron. O repentino fim às comemorações do grupo que infiltrou na KKK indicam como a realidade funciona. Lee ainda dá uma alegria final ao espectador ao criar um diálogo conclusivo entre Ron e David Duke (líder da KKK, que assinou pessoalmente a carteira de membro de Stallsworth e que também elogiou a visão do presidente eleito Jair Bolsonaro) que é catártico em sua sinceridade. É bem verdade que a conversa final nunca aconteceu, mas funciona bem como catarse pessoal, como desabafo. De certa forma, um último alívio antes do que se segue. A conclusão, que escancara que apesar dos esforços individuais, o sistema mantém a segregação em alta.
Infiltrado no Klan é uma comédia, realmente. Provavelmente te fará rir, mesmo que de desconforto, até o minuto final quando o universo ficcional se encerra abruptamente ao deferir um doloroso soco de realidade, sem parcimônia, em toda sua monstruosidade. Toda a comédia antecedente parece ter sido desenvolvida unicamente para amplificar ainda mais a potência indigesta da última sequência. Trata-se do Spike Lee em sarcasmo magistral. Talvez essa seja a grande piada do filme.
Data de estreia: 22 de novembro
Título Original: BlacKkKlansman
Gênero: Comédia, Biografia, Thriller Policial, Blaxplotation
Duração: 2h15
Classificação: 14 anos
País: Estados Unidos
Direção: Spike Lee
Roteiro: Charlie Wachtel, David Rabinowitz, Kevin Willmott e Spike Lee, baseado em livro de Ron Stallworth
Edição: Barry Alexander Brown
Cinematografia: Chayse Irvin
Música: Terence Blanchard
Elenco: John David Washington, Adam Driver, Laura Harrier, Topher Grace, Alec Baldwin, Jasper Pääkkönen, Paul Walter Hauser, Ashlie Atkinson, Isiah Whitlock Jr., Robert John Burke, Brian Tarantina, Michael Buscemi, Corey Hawkins, Ryan Eggold
Definitivamente, Bohemian Rhapsody não é tudo que poderia ser. Ou que deveria, na cabeça do fã. Há uma responsabilidade imensurável que pressiona o filme. Imagine criar uma obra digna sobre uma das maiores bandas da história, mas que é também uma semi-biografia de um dos grandes ícones do rock. E, além disso, ainda carrega o nome de uma das canções mais adoradas do gênero, cuja ampla na apreciação fora tardia. A impressão é que tais fatores recaíram sobre os ombros de Anthony McCarten (roteirista) e Brian Synger (diretor).
Bohemian Rhapsody não é um filme ruim. Nos aspectos técnicos, ele merece diferentes elogios, como o figurino e a reconstrução de época, por exemplo, que dão autenticidade ao período retratado – 1970 até 1985. A reconstrução de shows do Queen é caprichada e, por vezes, estilosa. Há um charme enérgico atemporal em vários momentos. E a fotografia de Newton Thomas Sigel capta bem essa beleza ao reforçar as tonalidades chamativas da banda e da época, com a paleta de cores vintage e granulações na imagem. Mas o principal elemento do filme é – como era de se esperar – o Freddie Mercury de Rami Malek.
Malek entrega um Freddie Mercury hipnotizante. O trabalho do interprete é minucioso. Desde a escala maior, como seus movimentos no palco, nas festas ou no estúdio, até a menor, como os trejeitos de fala, os tiques labiais, a vocalização e o olhar. Diferentes aspectos da personalidade intensa de Mercury são retratados por Rami Malek de maneira natural e fluida. O tipo de trabalho onde não há tentativa de cópia, de mera replicação, mas entendimento puro do personagem.

O Freddie Mercury de Rami Malek salva Bohemian Rhapsody. Ainda assim, não é a obra definitiva da banda ou do cantor
É uma pena, porém, que o ator esteja mais preocupado com o psicológico do personagem do que o roteiro. Embora Malek sugira a complexidade psicológica de Mercury, a construção do personagem é rasa, tímida e, por vezes, até covarde. Afinal, Freddie queria ser cantor pela paixão ao estilo? Pela música? Por alguma carência emocional? E seus inúmeros relacionamentos (que o filme parece ter medo de mostrar)? Era apenas parte do sexo, drogas & rock’n’roll ou algum desejo por completude, por afeto? Não fica exatamente claro. Assim, personagens como Paul Prenter (Allen Leech) ou Mary Austin (Lucy Boynton) ganham importância maniqueísta utilizada apenas conforme a necessidade do roteiro Anthony McCarten.
A construção narrativa segue a fórmula de cinebiografia: o descobrimento, o sucesso, o deslumbramento, a queda e a redenção. Como eu sempre digo, o problema não é a fórmula em si, mas como é utilizada. No caso do filme, essa característica básica soa um pouco incompatível com o retrato em questão. A quebra de paradigmas que o Queen representa (uma das suas grandes virtudes) não é retratada pela progressão da história, mas apenas falada, dita diretamente para o espectador. Há medo (ou covardia) em mostrar a intensidade de Mercury e da época. O “problema” da obra é ser formulaica demais, demasiadamente burocrática, insegura e tímida. Basicamente, Bohemian Rhapsody é quase tudo que Freddie Mercury não era.
Essa simplicidade fica ainda mais incômoda quando o espectador (como foi o meu caso) percebe que o roteiro de McCarten busca omitir, apaziguar e suavizar situações da trajetória intensa de Mercury e dos anos 1970 e 1980. Imagine um filme sobre um dos ícones do sexo, drogas & rock’n’roll sem os dois primeiros itens? Pois isso é Bohemian Rhapsody.
As inúmeras relações de Mercury (grande parte homossexuais) e o conhecido vício em cocaína – já chegou a escrever, perto de sua morte: “Seu nome? COCAÍNA! Devo a ela meu amor, minha vida, minha destruição e minha morte – são apenas mostrados por poucos segundos, revelados de forma banal e passageira, sem qualquer atenção ou destaque. Até mesmo a famigerada festa de Mercury, um momento marcante na história das loucuras do rock (o que significa muita coisa), é comentada de maneira banal. O filme parece ter medo ou vergonha de mostrar quem de fato fora Mercury. E isso o torna maçante tão como uma música padronizada.
Diante essa característica comedida (responsabilidade do roteiro, independentemente das justificavas dos bastidores), a montagem de John Ottman aloca momentos que surgem para pormenorizar o lado conflituoso da banda. As discussões são contemporizadas por saídas rasas como o baixista que toca o riff e todos param de discutir; ou Freddie saindo pra fumar quando os demais integrantes começam a brigar.
Graças ao roteiro, a montagem cria momentos melodramáticos desnecessários no arco final. A recriação do show da banda no Live Aid é emocionante por si só (mesmo com o CGI da público sendo chamativo demais). A encenação do momento é enérgica, cuidadosa e empolgante. Ela, por si só, consegue emocionar. Mesmo assim, há uma insistência em destacar choros emocionados e as lágrimas numa redundância emotiva que não apenas quebra o ritmo, mas também parace não crer na força do próprio filme. Aliás, o melodrama é reforçado também por liberdades temporais que fragilizam o contexto da banda. Isso deve incomodar mais os fãs e não é necessariamente um erro, mas uma decisão dúbia, que também demonstra a fragilidade do roteiro inseguro.
E não é apenas aí onde a tônica melodramática surge descaradamente. A reunião com a família de Mercury, por exemplo, chega a ser destoante. Desde a fotografia que capta os raios de luz, até os diálogos açucarados. Sem sutileza, o momento ainda retorna a especulação sobre as motivações de Mercury. Aliás, de Farrokh Bulsara (o verdadeiro nome do cantor), pois pela construção do filme, aquele não parece ser Mercury.
A música do Queen é, obviamente, outro elemento positivo e ajuda a impedir que o filme seja ruim. Os demais membros do elenco também colaboram, mesmo sem nenhum outro grande destaque. Há ótimos momentos de humor natural, oriundo do conflito de personalidades ou das idiossincrasias da época. Mas há também alguns construídos. Aliás, há uma piada que envolve o comediante Mike Meyers. Ele interpreta Ray Foster, ex-produtor da banda que comenta sobre o que ele considerava um fracasso que seria a canção Bohemian Rhapsody. Essa é para os conhecedores de Meyers em Quanto mais idiota melhor (1992).
Dessa forma, não é injusto dizer que Rami Malek carrega Bohemian Rhapsody nas costas. Há valores menores, mas é o ator quem entrega o Freddie Mercury que desejamos ver, mesmo que o filme pareça ter vergonha dele. Mas, infelizmente, ainda não foi dessa vez que vimos ao filme definitivo de Mercury e/ou Queen.
Data de estreia: 1º de novembro
Título Original: Bohemian Rhapsody
Gênero: Biografia, Drama, Musical
Duração: 2h14
Classificação: 14 anos
País: Reino Unido, Estados Unidos
Direção: Bryan Singer
Roteiro: Anthony McCarten
Edição: John Ottman
Cinematografia: Newton Thomas Sigel
Elenco: Rami Malek, Lucy Boynton, Gwilym Lee, Ben Hardy, Joe Mazzello, Aidan Gillen, Allen Leech, Tom Hollander, Mike Myers, Aaron McCusker,Meneka Das, Ace Bhatti
CRÍTICA | O Primeiro Homem
Data de estreia: 18 de outubro
Título Original: First Man
Gênero: Drama, Biografia
Duração: 2h21
Classificação: 12 anos
País: Estados Unidos
Direção: Damien Chazelle
Roteiro: Josh Singer baseado em obra de James R. Hansen
Edição: Tom Cross
Cinematografia: Linus Sandgren
Trilha Sonora: Justin Hurwitz
Elenco: Claire Foy, Ryan Gosling, Crítica, Jason Clarke , Kyle Chandler , Corey Stoll, Patrick Fugit , Christopher Abbott , Ciarán Hinds , Olivia Hamilton
Logo nos créditos iniciais, em uma entrevista de 2001 para o Inside The Actors Studio, é exibido um trecho onde o entrevistador James Lipton pergunta a Robin Williams como funciona sua mente. Tomado por uma súbita onda de empolgação, o ator se levanta e começa a improvisar uma série de rápidas gags enquanto usa qualquer coisa como uma deixa para engatar a próxima piada. Esta, claro, seria apenas uma demonstração de sua mais conhecida característica: o raciocínio afiado para o improviso combinado com surtos de hiperatividade momentâneos. Logo após, uma voz bem mais calma e equilibrada – ainda que carregada de um levo peso melancólico – confessa: “Eu tenho medo de me tornar enfadonho até me ir me transformando numa pedra…”.
A contraposição entre a reflexão do próprio ator e as imagens alegres que vemos na tela é a perfeita introdução para investigar a dualidade de sua figura fascinante neste novo documentário intitulado Robin Williams: Come Inside My Mind, produzido pela HBO (já disponível aqui no Brasil pela HBO GO e Net Now) e dirigido por Marina Zenovich (Polanski: Procurado e Desejado, Richard Pryor: Omit The Logic). A acertada escolha não é aleatória, já que coloca esse conflito principal como um motivador na jornada para mergulhar na vida e obra de um dos comediantes mais icônicos do cinema dos últimos 40 anos. O filme traça um retrato intenso e emocionante de sua história, desde o tempo das incertezas, quando fazia curso de teatro na conceituada Juilliard School (onde teve como colega de classe um certo Christopher Reeve…), até o imenso sucesso popular no cinema – com o diferencial que acompanhamos tudo em grande parte através do próprio Williams a partir de diversas gravações caseiras e trechos de entrevistas, o que torna a experiência ainda mais pessoal.
A cineasta Marina Zenovich mostra controle total sobre como quer conduzir o público a conhecer os principais momentos da história, equilibrando de forma bem calculada as abordagens pessoais e as viagens aos acontecimentos que marcaram a carreira do ator. Aliás, esse é um ótimo exemplo de como a concepção de um bom documentário não se difere da lógica por trás de uma narrativa ficcional. Um bom roteiro é aquele que apresenta seu protagonista com eficiência, introduz conflitos e faz com o espectador se engaje na sua trajetória, tudo isso em um ritmo que mantém os temas num jogo constante de expectativas e obstáculos. É exatamente dessa maneira que a estrutura concebida pela diretora evita que a narrativa se torne excessivamente episódica, correndo o risco da obra se transformar numa versão visual de um folheto informativo sobre a biografia e filmografia do ator. Embora a lógica seja, de forma geral, cronológica no seu todo, a montagem molda a narrativa para que os acontecimentos sejam lembrados a partir dos temas refletidos por amigos, familiares e o próprio ator, resultando numa coleção de ricas imagens e belas lembranças que obedecem mais a um tributo à sua personalidade do que propriamente um resgate periódico.
Assim, após acompanharmos seus primeiros anos profissionais até conseguir um papel na série Mork & Mindy, em 1978, o longa sempre encontra momentos pontuais para retornar ao passado e buscar as motivações pessoais e influências. Não é surpresa quando aprendemos, por exemplo, sua admiração pelo também comediante e ator Jonathan Winters, cuja habilidade em improvisar piadas a partir de objetos e deixas de diálogo é prontamente alternada pela aparição de Williams em um especial da Vila Sésamo, onde faz basicamente a mesma coisa. Por outro lado, alguns momentos depois somos pegos com um sorriso inesperado quando vemos Robin em uma entrevista com sua mãe, que exibe um senso de humor inesperadamente intenso e jovial – o que nos leva a pensar imediatamente: “é claro que isso veio de alguém da família…”.
Com um trabalho extenso de pesquisa, Zenovich e sua equipe conseguem exibir diversas imagens inéditas, tanto de seus momentos familiares e bastidores de shows até seus anos nos teatros de improviso, algo que viria a ser bem popularizado pelo programa Who´s Line Is It Anyway, primeiro a versão britânica e depois o spin-off americano (aqui no Brasil, a Cia. Barbixas de Humor faz um divertidíssimo trabalho há anos). Um dos destaques é o período de sucesso com a sitcom e os diversos shows de stand-up pelas noites de Los Angeles, no início dos anos 1980, quando conheceu David Letterman, Richard Pryor, Steve Martin, entre outros. Época também onde entrou no vício pela cocaína como resultado da intensidade na vida profissional e pessoal. Mas foi também quando teve o primeiro baque pela morte precoce de John Belushi por overdose de cocaína e heroína, tendo passado a noite anterior com ele e Robert De Niro (posteriormente chamados para depor nas investigações policiais).
O uso de drogas marca um dos aspectos abordados pelo documentário para traçar o outro lado daquele personagem hilário que víamos nas telas, mas jamais incorrendo no erro de julgá-lo inteiramente por isso. Do contrário, o filme acerta em investigar com mais profundidade um traço de personalidade que o ator já tinha desde sempre, representado por uma necessidade de aceitação traduzido pelo humor que beirava ao incontrolável. Dessa forma, não é surpresa quando vemos o ator nos bastidores de Retratos de Uma Obsessão (2002) fazendo questão de quebrar seu personagem de um filme de suspense durante os intervalos entre os takes, algo que impressionava próprio diretor Mark Romanek, que deixava que o ator usasse o fato como um ritual de autocontrole. A partir de vários outros depoimentos, notamos que a estratégia era uma constante em sua vida e que os momentos de vazio existencial realmente não escolhem privilegiar os mais depressivos daqueles conhecidos por serem engraçados. Nada mais revelador que isso é vermos imagens de um homem esgotado física e emocionalmente deitado em um sofá no camarim depois de passar 2 horas entretendo uma plateia de 3.800 pessoas.
E é essa a grande qualidade do documentário: revelar a vulnerabilidade por trás de alguém que parecia inabalável em cima de um palco, mas que também o usava para manipular suas idiossincrasias através de uma versão mais exagerada de si mesmo. E ao invés de retratá-lo como uma vítima ou doente, a obra respeita sua história sem deixar de revelar os defeitos de uma personalidade que despertou uma curiosa afeição de muita gente. No campo profissional, basta observar a facilidade em conferir um ar de tristeza no olhar em seus papeis mais sérios, como pode se ver em Bom Dia, Vietnã (1987, Barry Levinson), Tempo de Despertar (1990, Penny Marshall), O Pescador de Ilusões (1991, Terry Guilliam) e Gênio Indomável (1997, Gus Van Sant) – este lhe rendendo o Oscar de Melhor Ator Coadjuvante. Ainda assim, até nas comédias era possível notar o talento em mudar rapidamente do humor ao drama, fazendo com que alguns desses personagens só não se tornassem trágicos porque não era a proposta dessas obras.
Se trágico seria uma palavra bastante injusta para definir a história de Robin Williams, é impossível não se emocionar com algumas de suas aparições, quando era possível ver claramente o momento em que o ator parecia ligar um interruptor dentro de sua mente e passar de um rosto triste na multidão para um showman que toma um ambiente inteiro para si mesmo em questão de segundos – nesse caso, vale a menção do hilário momento em que sobre ao palco para celebrar a derrota no Critics Choice Awards de 2003, na categoria de Melhor Ator, para um empate entre Jack Nicholson e Daniel Day-Lewis. Entre idas e retornos de reabilitações, aquela expressão melancólica parecia cada mais presente, ainda que sempre disfarçada pelo humor sempre afiado e instantâneo.
Ao se aproximar do desfecho, Marina Zenovich deixa mais evidente o respeito e carinho pelo homenageado, também simbolizado pelas visões de alguns de seus grandes e notórios amigos pessoais, como Whoopi Goldberg e Billy Crystal. Sem cair em um melodrama ou jamais explorando sua morte de forma sensacionalista, Robin Williams: Come Inside My Mind é um belo e emocionante tributo a uma das personalidades mais icônicas de grande parte de uma geração (ou mais de uma).
Robin Williams não se tornou enfadonho e nem tão pouco uma pedra. Sempre que seus personagens forem lembrados, o seu legado vai ecoar da mesma maneira que seu personagem em Sociedade dos Poetas Mortos (1989, Peter Weir) declama ao mostrar aos alunos imagens daqueles que já se foram há muito tempo:
“Carpe diem. Aproveitem o dia, garotos. Façam de suas vidas algo extraordinário…”
Data de estreia: 06 de agosto
Título Original: Robin Williams: Come Inside My Mind
Gênero: Documentário, Biografia
Duração: 1h56
Classificação: 10 anos
País: Estados Unidos
Direção: Marina Zenovich
Edição: Poppy Das, Greg Finton
Cinematografia: Wolfgang Held, Nick Higgins, Jenna Rosher, Thorsten ThielowTrilha Sonora: Adam Dorn
Elenco: Robin Williams, Steve Allan, Robert Altman, Roseanne Barr, John Belushi, George Carlin, Jim Carrey, Johnny Carson, Dick Cavett, Billy Crystal, Robert De Niro, Whoopi Goldberg, Michael Douglas, Shelley Duvall, Craig Ferguson, Ron Howard, David Letterman, Steve Martin, Richard Pryor, James Lipton, Edward Norton, Christopher Reeve, Martin Scorsese, Steven Spielberg, Jonathan Winters
Uma breve overdose de Queen e Freddie Mercury no trailer oficial de Bohemian Rhapsody, filme que narrará a ascensão meteórica de uma das maiores bandas da história da música.
Com roteiro de Anthony McCarten (indicado ao Oscar por A Teoria de Tudo), Bohemian Rhapsody acompanhará o início do Queen, o conturbado período oriundo do intenso estilo de vida de Freddie Mercury (Rami Malek) e o retorno triunfante da banda na véspera do icônico Live Aid, quando Mercury, enfrentando uma doença que ameaçava sua vida, liderou a banda em uma das maiores performances já vistas no rock.
Além de Malek, Bohemian Rhapsody terá as presenças Ben Hardy como o baterista Roger Taylor, Joseph Mazzello como o baixista John Deacon e Gwilym Lee como o guitarrista e vocalista Brian May. O elenco ainda conta com os nomes de Aidan Gillen, Tom Hollander e Mike Myers.
Embora Brian Singer esteja creditado como diretor do filme, ele foi demitido e substituído por Dexter Fletcher. O motivo da demissão de Singer foram as constantes brigas com Rami Malek.
Bohemian Rhapsody tem estreia prevista para outubro.
O primeiro arco do drama biográfico Somente o mar sabe é eficaz ao instigar a curiosidade do espectador. A boa retratação da época, elaborada através do vistoso design de produção e da fotografia cálida e de leve granulação, cria um ambiente propício para a jornada aparentemente edificante de Donald Crowhurst (Colin Firth), um navegador amador que decidiu velejar ao redor do mundo, sozinho e sem realizar nenhuma parada em terra firme. Há uma história robusta – pelo menos na possibilidade – e grande esmero técnico, além de ótimas atuações por Firth e Rachel Weisz, que interpreta a esposa de Donald, Clare. Ainda assim, Somente o mar sabe não consegue entregar o que sugere ao longo da jornada. A direção de James Marsh (A Teoria de Tudo, de 2014) e o roteiro de Scott Z. Burns trabalham em estranha sintonia.
Baseado em fatos, Somente o mar sabe conta a história de Crowhurts de maneira não-linear. A frequente inserção de flashbacks deixa a narrativa sem a dinâmica desejada. Por vezes a história perde o ritmo graças às breves cenas que, ainda por cima, não somam grandes valores ao texto. Por vezes a sequências são redundantes ou expositivas. A falta de sutileza do roteiro e da direção vai contra a atmosfera grandiosa que o filme tanto busca (e aparentemente acredita ter alcançado).
Somente o mar sabe lida de maneira leviana com pontos complexos da história real do navegador amador. As motivações de Crowhurst apresentam-se (involuntariamente) de forma dúbia. Afinal ele busca a glória pessoal, tal como sugerem as edificantes frases iniciais “o sonho é a semente da ação” ou “completar a realização de outrem é como viver às sobras de outro homem”; ou quer apenas amplificar seu negócio local? É a paixão pelo mar ou as dívidas? A falta de clareza quanto ao personagem principal acaba por enfraquecer o alicerce no qual a obra repousa. As motivações conflituosas de Crowhurst resultam em ações problemáticas, sem a plausibilidade necessária para dar substância aos complexos subtextos abordados como o suicídio e o papel, atuação e sensacionalismo da imprensa.
As qualidades técnicas ajudam a mascarar o roteiro e direção problemáticos. A fotografia consegue emular um sentimento de época junto com o design de produção, que, juntos, criam ambientes e sensações visuais eficientes. A casa de Crowhorst é aconchegante, confortável. O afeto do personagem para com seu lar e familiar é bem registrado pela fotografia e atuação de Firth, sendo um dos poucos elementos sólidos que caracterizam o personagem. A relação dele com a cidade é igualmente bem trabalhada e ajuda no desenvolvimento da história. Mas por trás das boas aparências, esses elementos pouco elevam a conclusão.
Ao lidar com uma história cujo desfecho permanece misterioso, Marsh busca preencher as lacunas com elementos narrativos vagos como metáforas visuais (as sequências com os cavalos), ou diálogos e sussurros mentais e a cena do ferro de solda (que resume o distanciamento da mente do navegador). As tentativas de elaborar os possíveis estados mentais de Crowhurst são ineficientes de diversas formas. Muitas vezes ficam apenas vagas, outras apenas dizem o que já era óbvio. Esse flerte com alguma forma de complexidade narrativa que esbarra na falta de criatividade prática e dá ao filme um incômodo aspecto presunçoso.
O problema criativo também se apresenta em discussões paralelas que objetivam acrescentar à exaustiva jornada mental de Crowhurst. O filme aborda a pressão social oriunda da atividade da imprensa que influenciou de alguma maneira, supostamente, os atos finais de Donald. A proposta, porém, entra em conflito com a elaboração dessa relação no arco inicial. O próprio personagem buscou a imprensa como aliada para a aventura/negócio. A relação entre as partes era cordial e, até, um pouco fraternal. Assim, quando o discurso final de Clare – entoado com a competência costumeira de Rachel Weisz – critica a forma e visão do jornalismo, ela ignora (possivelmente desconhece) que esse círculo vicioso fora iniciado exatamente pelo marido. E quando embarcado, os dados que Crowhurst fornecia justificam boa parte do comportamento dos jornalistas e seus respectivos veículos. Dessa forma, o discurso sobre as práticas por vezes predatórias da imprensa é desconexo e incondizente com o próprio filme, mesmo essa sendo uma mensagem verdadeira. Isso tira ainda mais força da conclusão, que acaba soando ainda mais pretensiosa.
Somente o mar sabe tampouco consegue concluir adequadamente a jornada de Crowhurst. A conclusão não consegue elaborar um discurso ou mensagem sobre nada. Afinal, o que representa Crowhurst? Seus ideias, o ímpeto, o mistério, o que significam? O roteiro não busca instigar ou responder, mas apenas contar um fato de maneira fria. Ao fim, tudo não passa de um vazio vistoso, passageiro e estéril.
Data de estreia: 26 de abril
Título original: The Mercy
Gênero: Biografia, Drama
Duração: 1h52
Classificação: Não informado
País: Reino Unido
Direção: James Marsh
Roteiro: Scott Z. Burns
Edição: Jinx Godfrey, Joan Sobel
Cinematografia: Eric Gautier
Trilha Sonora: Jóhann Jóhannsson
Elenco: Rachel Weisz, Colin Firth, David Thewlis, Andrew Buchan, Mark Gatiss, Ken Stott
CRÍTICA | Todo dinheiro do mundo
Boa parte dos problemas de Todo dinheiro do mundo ocultam-se por trás das virtudes técnicas. Mas há também equívocos bem evidentes. Seja como for, cada percalço da narrativa diminui gradativamente o vigor da obra, prejudicando o ritmo e afastando o espectador.
O início parece promissor tanto pela história quanto pela direção de Ridley Scott. Todo dinheiro do mundo adapta a história da família Getty, uma das famílias mais ricas de todos os tempos. Em 1973, John Paul Getty III (Charlie Plummer), neto de 16 anos do magnata John Paul Getty (Christopher Plummer), é sequestrado nas ruas de Roma. Após o milionário pedido de resgate, inicia-se uma longa negociação.
A sequência do sequestro é bem realizada. A câmera de Scott e Dariusz Wolski (Alien: Covenant), o diretor de fotografia, acompanha o adolescente pelas ruas pouco iluminadas da cidade. Em preto e branco, a câmera emula tom clássico ao filme e uma realidade elegante. Ao poucos, a cor começa a surgir. O resultado final, porém, é um tom sépia pouco aprazível. Essa transição de cores faz uma reflexão acerca da fortuna dos Getty. Quando em preto e branco, a fotografia sugere que tanto dinheiro possui uma beleza meramente estética, falsa. A realidade por trás da aparente poesia do preto-e-branco é sombria, suja, desagradável e perigosa.
Ainda no primeiro ato, após o sequestro, há outra interessante sugestão de debate oriunda de Gail Harris (Michelle Williams). Através da personagem, mãe do sequestrado, o filme discursa acerca da difícil realidade feminina. Gail Harris sofre não apenas pelo sequestro do filho, mas pelo julgo social que exige dela, por ser mulher, uma postura diferente da que tem. Querem-na chorando copiosamente pelo filho. Crêem que ela é incapaz de lidar com a situação. Além disso, o sogro, John Paul Getty, atribui a ela má índole moral guiada pela cobiça a sua fortuna e, naturalmente, aos olhos do personagem, pelo gênero. Aliás, o arco do sogro também é promissor graças às motivações da sua incredulidade para com as pessoas e os motivos da sua imensa coleção artística. Diferentes situações indicam que o filme poderá ir além da recriação histórica, promovendo reflexões acerca da ganância, relacionamentos, preconceitos e a índole humana. Porém, nada disso aprofunda-se mais do que a primeira camada, dotando o filme de superficialidade.
Todo dinheiro do mundo resume-se à reconstituição histórica de um fato, com liberdades narrativas. Isso não seria problema caso a narrativa não fosse inconstante. Um exemplo claro é a narração presente no início do primeiro ato que ajuda a compor o contexto da época. A voz, aparentemente de um narrador onisciente, conta a história da fortuna dos Getty. Durante um pequeno período não linear, o filme transita pelo tempo e pelo espaço para explicar a origem do dinheiro da família. A sequência é funcional, mas o recurso narrativo desaparece repentinamente, deixando impressão que tal ferramenta foi utilizada apenas como um preguiçoso artifício.
Essa mesma inconstância acontece com Fletcher Chase (Mark Wahlberg), uma espécie de braço direito de John Paul Getty, designado pelo magnata para lidar com a negociação do neto. O personagem aparece, ganha destaque e desaparece da trama sem qualquer motivo. A narrativa abandona-o de súbito para recuperá-lo, convenientemente, no arco final.
De certa forma, isso também acontece com os demais personagens de Todo dinheiro do mundo. Cada um deles, de maior ou menor importância, é apresentado de forma promissora, mas acaba perdendo importância com o passar do tempo. Se a mãe servia como exemplificação das dificuldades da mulher num mundo dominado pelo patriarcalismo, essa premissa é abandonada e acaba por unidimensionalisar a personagem. Mas é com o avó bilionário que o filme perde grande parte da força. John Paul Getty é o núcleo narrativo da obra e suas ações até ganham lampejos de profundidade, chegando até ao ponto de humanizá-lo adequadamente. Porém, o aprofundamento acomoda-se na superfície e as motivações, sem elaboração, soam demasiadamente convencionais. Com personagens pouco dedicados, as atuações, embora positivas, não são suficientes para segurar o filme. Aliás, a indicação de Plummer para o Oscar de Melhor Ator Coadjuvante é um exagero.
O único personagem que possui valor próprio é Cinquanta (Romain Duris) cuja motivação e o conflito emocional criam um embate moral curioso, dando significância à suas atitudes. Dessa forma, devidamente elaborado, o espectador consegue criar empatia pelo personagem.
O roteiro de David Scarpa (que adapta obra homônima de John Pearson) carece de substância. A obra parece não saber o que quer fazer, criando ideias, personagens e possibilidades discursivas apenas para abandoná-las posteriormente. A fotografia tenta emular aspectos subjetivos dos personagens, como a mansão pouco iluminada e de paleta azulada (sugerindo a frieza e obscuridade do dinheiro e do personagem). A montagem de Claire Simpson também atrapalha o ritmo da obra. Em determinado momento, um personagem afirmar que se passaram meses desde o sequestro. A declaração soa estranha ao espectador pois, até o momento, a impressão que o filme dava era de que haviam apenas poucas semanas.
Mas é no ato final que a condução problemática de Ridley Scott se sobressai. Não há valor climático na resolução do sequestro. A longa sequência, espichada para tentar criar aflição, é maçante principalmente graças à falta de personalidade dos personagens. Sem vínculos emocionais com eles, o espectador pouco se importa com seus destinos.
O mesmo acontece com o desfecho de John Paul Getty. Scott tenta elaborar uma conexão com Cidadão Kane (de Orson Welles, 1941) graças à similaridade natural entre os personagens (ambos os mais ricos de seu tempo). Mas a superficialidade de Getty impede o estabelecimento de qualquer vínculo narrativo ou emocional, mesmo que o filme inspire-se nas cenas do clássico e recrie, com vistosa (mas vazia) fidedignidade as cenas da obra de Welles.
Todo dinheiro do mundo começa bem. O primeiro arco é marcado por promissores sugestões de reflexões acerca da ganância e preconceitos. Mas a pouca elaboração dos personagens, alinhado a problemas narrativos e de ritmo eliminam gradativamente o interesse do público. Como recriação histórica, o filme até consegue ir bem. Mas isso é pouco demais para sustentar 2h12 de uma grandiloquência vazia.
Todo dinheiro do mundo estreia em 1º de fevereiro.
Título original: All the Money in the World
Gênero: Drama, Biografia, Thriller
Duração: 2h12
Classificação: 16 anos
País: EUA
Direção: Ridley Scott
Roteiro: David Scarpa, baseado em obra de John Pearson
Edição: Claire Simpson
Cinematografia: Dariusz Wolski
Trilha Sonora: Daniel Pemberton
Elenco: Michelle Williams, Christopher Plummer, Mark Wahlberg, Romain Duris, Timothy Hutton, Charlie Plummer, Andrew Buchan